Poemas para votação -dias 14 a 17 de agosto
1
COTIDIANO
Leo
Guimarães
Trocando
meus passos já estranhamente desajustados
(como os
dos demais)
me coloco
a caminhar por entre uma multidão de pessoas estranhas
almas indiferentes que se comunicam com olhares de guerra
canibais que se distanciaram do respeito aos nossos primitivos
numa fajuta antropofagia carente de fé na força emanada da natureza.
Meu equilíbrio
interior oscila entre
o sossego do universo
individual e monossilábico
e a notícia da morte
de um homem no jornal de domingo
uma
banalidade construída à dedos frios
levada a
efeito por uma pistola já acostumada a resfriar
a
existência de tantos outros pais
muitos outros filhos.
O estresse emocional da leitura faz cair
sobre uma daquelas letras um pedaço de mim
do homem que atirou
que o tirou de nós, e fez o céu cair na foz
de um penhasco deontológico derrotado
ainda tão distante de nós.
Se a raiva incrustada
no homem
na flor florescesse,
nossas rosas nasceriam
desbotadas e com
espinhos já a sangrarem
pelos ferimentos
abertos na cópula
do cálice da pétala
do homem caído sem vida
naquela página de
jornal...
que eu passo!
Mas já não havia como fugir da infelicidade
aquele pedaço meu, caído diluído no cinza do papel
já anunciava ao meu subconsciente
que o poema da vida perdeu mais um poente sobre o qual recostar.
Seus
versos já me causam ardência nos olhos
carência
de sentido, de coerência entre o que não se mede
o que se
bebe, para o maldito dê o que se pede
numa compreensão
trágica da transparência do outro
que se apresenta aos
olhares do mundo
ainda como um pedaço
estranho...
e indiferente...
daquilo
que é pouco.
2
Guardada
no íntimo
Rômulo Reis Oliveira
Estou na música, nas séries, nos filmes,
Jornais, telenovelas e programas de TV!
Estou nas ruas, nas casas,
E dentro de você...
Estou nas bandeiras de um protesto
Na voz de um ditador cruel
Nas mãos de um poeta modesto
Que me transfere para o papel
A discórdia é minha progenitora
A discordância de pensamento
Nasci nessa união confrontadora
Meu pai é o desentendimento
A inveja é minha legitma irmã
O ciúme é um primo distante
Quando Eva comeu a maçã
Fiz o criador mudar o semblante
No cenário daquela manhã
A serpente era uma atriz coadjuvante
Estive em vários momentos da História
Com os grandes lideres em sua glória
Até mesmo na propria fé cristã
Nos territórios de suas conquistas
Na tal "Supremacia alemã"
No regime furioso dos nazistas
A minha família é extensa
Tenho tantos frutos afinal
Eu dei luz a indiferença
E o desprezo é um filho original
Depois eu concebi a maldade
A violência, a crueldade e o aborrecimento
Gerei no ventre a impiedade
Todos nasceram de um parto violento
Eu vim com os anjos caídos do céu
Na terra instituí minha doutrina
Sou um soldado em Israel
Sou um combatente na Palestina
Estabeleci minha trajetória assim
Exercendo o meu papel
Estive ao lado de Caim
Na morte de Abel
Eu tenho inúmeros apelidos
Ódio, cólera, Ira, Furor!
Veja como somos parecidos
Eu e qualquer agressor
Para completar invadi o mundo animal
Torne-me uma doença canina
Para livrar-se desse mal
Somente com uma vacina
Não me mande embora
Por favor não me abandone!
Vou te dizer agora
-Que raiva é meu nome.
3
FURIBUNDO
Elias Antunes
Devo
inventar algum aparelho para
medir o pranto e a raiva?
interpor
este corpo de palha
entre a fúria e
o louvor?
acender a pira da
memória,
como plástico incandescente
na ponta de uma
vara, derramando
sua lava particular
no formigueiro
(humano)?
4
Impossível
Wlange Keindé
Afio meus dentes a ferro
Só para morder o travesseiro
Deixo meu cabelo crescer
Só para arrancar fio a fio
Deixo minhas unhas crescerem
Só para rasgar minha pele
E com meu próprio sangue
Escrevo em meus olhos:
É impossível
– impossível! –
Amar sem desespero
5
Yug Werneck
Quando a raiva me toca
E acorda cada parte de mim
Olho a vida que pulsa
Num convite à destruir
Eis que danço a explosão
De tudo aquilo que precisa emergir
Respiro profundo, busco palavras no escuro
Relembro o valor do que construí
Que não é mais para mim,
Nem só por mim
Já existe, e é
E fim
Despretensiosamente?
Há que eu finco os pés
E deixo com que se afundem raízes
O ar sempre sopra
Com sua brisa em convites
Para voos rasantes
Mas meu nutriente agora vem da terra
Tão árida e sábia
Misteriosa, infindável
Singelas alegrias
Delicadeza e detalhes
Perene perícia, suas singularidades
Fogo que arde e flameja
Soltam faíscas ao ar
Que explodem como fogos de artifício
Embelezam e morrem
E voltam a embelezar
Ah se arrancasse do peito
Aquela palavra tão certa
Que sintetiza o louvor
Que vive por trás de cada atitude
Que faz do humano um sobrevivente da luta
A luta, aquela
Que reconhece a si e ao outro
De cada um, um pouco
Sem querer prevenir
Sem ter mais o preparo
Do que está por vir
O que será não existe
É um eterno emergir
De sombras e luzes
De ordem e caos
De fluir tão certo, que se esvai
Quando o concreto, tão reto
Nos coloca no cais
Do mundo.
6
Certas
vezes
Lara
Aguiar
sanção de espelhos
multiplicam a mesma
sessão de imagens
provocantes; incitantes
as vezes ódio
cem vezes
as vezes nada
outros caprichos
num fato consumado
secreto
fatal conformado
se formam
entre pés pequenos
que ainda não caminham
quantas exigências
e mais um mimo
sacrilégio nenhum
ocupa a função
do eu
que é meu meio
sentimentalista
a substância indica
(não sacia)
sensação indescritível
de um bípede com pés
que ainda não caminham
e mesmo quando soube
foi terminante
as vezes proibido
com vezes explorado
em raiva
contudo devorado
mais vezes que algumas
menos vezes
nenhuma.
7
Autor:
Paulo César
Esgotos lambendo de
infinito minha alma pútrida…
Ao longe, lixeiras
cantando Vida… Veludo negro
Cola-se-me ao corpo de
plástico… Fedor poral.
Esqueletos gordos de
ratos chiam aqui, ali… em mim!
Sol de inverno parado
no Ocaso… Fali de sonhos.
Pássaros grunhem azul…
porcos ladram queimaduras da Lua.
Ó que pocilgas feitas
de vácuos do sentir pobre me amarram!
Poço imperfeito… águas
musgo de um passado seco.
Autocarros esmagam
nuvens em desertos de areias movediças,
O “Requiem” de Mozart
sobe nas chamas dos pneus em fogo
E berros meus ouvem-se
em surdez imóvel.
Inverno… 17horas… hoje,
amanhã, depois…
Avanço suspenso de um
tempo igual sempre o mesmo.
Chegam-me vislumbres do
depois daqui,
Um sítio sem espaço
para além de mim,
Portão maciço de fumos
suspeitos é barreira do corpo…
Vísceras caindo
devagar…Cabeça sem crânio… Vermes…
Esperança nula de me
não sentir meio-eu,
Furacões de ter-me de
raiva numa outra vida.
8
Estereótipo
Tiago Alves
Olho no espelho e desconheço
o rosto que ali está exposto,
é face que meio a contragosto
reflete amargura verdadeira.
Por ter amado a vida inteira
um ser que era seu oposto,
de modo que ali está proposto
desnuda hercúlea bandeira.
A cólera em todo seu furor
desmancha aquele estereótipo
de forma que até lhe falta o ar.
Doravante procura o seu lugar
a alma em lânguido protótipo
vagante em busca do amor.
9
Raiva
João Videira Santos
a raiva
é um grito
que se guarda no fole,
um grito dito
sem que a verdade se esfole.
10
Raiva!
Marília Santos
Raiva
muito raivosa
Raiva de
sentir raiva
Quero
adormecer
Quero
acordar
Sem
sentir raiva
Quisera
eu ter o poder
De
apagar a raiva
Dos
corações
E até
mesmo do planeta
E assim
a raiva
Seria
transformada em paz e amor!!